Ensino a Distância (EAD) nos Cursos de Arquitetura e Urbanismo

Há muito tempo vejo uma antipatia em relação ao ensino a distância na graduação em arquitetura. Muitos profissionais e as entidades que representam os arquitetos se posicionaram contra  a modalidade EAD. Porém, no momento presente, onde vivemos em numa quarentena provocada pelo Corona Vírus,  grande parte do mundo foi obrigada, do dia para a noite, a se adaptar ao ensino 100% online. Por este motivo senti a necessidade de escrever um pouco sobre a minha percepção sobre o assunto.

(Fonte: https://www.undergraduate.study.cam.ac.uk/courses/architecture )

As universidades particulares enxergam o ensino a distância como uma estratégia fundamental na redução de custos. Há uma grande redução da quantidade de professores, que seriam substituídos por vídeos e material didático online. Os espaços físicos e a infraestrutura também seriam drasticamente reduzidos.
Para os alunos, haveria a vantagem de poder estudar em qualquer lugar, evitando deslocamentos desnecessários a um campus, com maior  flexibilidade de horário, e com um custo mais baixo. Pessoas com dificuldades de locomoção ou moradores de locais afastados dos centros urbanos tem maior acesso aos cursos.
Para a sociedade, a diminuição do deslocamento de alunos aos campi reduz a demanda por transporte e os congestionamentos, e permite que construções com fins educacionais sejam destinadas a outros usos.
A viabilidade de um curso realizado a distância depende de vários fatores.
É importante determinar quais devem ser os objetivos do curso de graduação. Depois determinar quais as habilidades e competências que os alunos devem adquirir, para serem desenvolvidos conjuntamente com os conteúdos ao longo das disciplinas. Além da absorção de informações, um estudante na graduação deve desenvolver muitas habilidades e competências.

Grande parte da informação que precisa ser transmitida aos alunos está disponível na internet, através de uma variedade grande de ferramentas e métodos, como  textos, sons, imagens e vídeos. Porém esse conteúdo ainda não é completo, há muito conteúdo ruim ou errado, e há um excesso de informação desnecessária. Os professores são fundamentais na organização e seleção dos conteúdos, bem como ensinar aos alunos como filtrar, analisar, e criticar essas informações. As aulas a distância exigem um material muito bem elaborado, mais que o material utilizado normalmente pelo professor em salas de aula presenciais, o que exige muitos recursos financeiros e por isso dificilmente é desenvolvido pelas universidades.

O ensino a distância requer também um grande investimento inicial em infraestrutura e softwares, e um investimento permanente em atualização dos sistemas e conteúdo. Pelo lado da instituição, é necessária uma plataforma educacional consistente, amigável, que permita uma interação fluida, a transferência de informações, e a comunicação entre alunos e professores de maneira tão agradável e dinâmica quanto do ensino presencial. As plataformas existentes ainda são insipientes, e precisam avançar muito. Os alunos também precisam investir na compra de computadores com bom desempenho e acessórios adequados, softwares e em uma internet de alta qualidade. Especificamente no curso de arquitetura, a dificuldade é ainda maior, já que muitas disciplinas necessitam de ferramentas de produção e análise gráfica, simulações, etc.

As habilidades e competências gerais que devem ser desenvolvidas em todos os cursos de graduação devem preparar as pessoas para (BLOOM, 1956; FINK, 2003; MEC, 2012; NACIF E CAMARGO, 2009) :
– Assumir a responsabilidade pela contínua formação, desenvolvimento pessoal e profissional para o convívio numa sociedade de aprendizagem ao longo de toda a vida;
–  Conviver socialmente e interpessoalmente na vida em geral e nas organizações, orientada para os valores humanos, o trabalho em equipe, a comunicação, a solidariedade, o respeito mútuo, e a criatividade;
– Transformar o conhecimento científico em condutas profissionais e pessoais na sociedade, relativas aos problemas e necessidades dessa sociedade;
– Ter uma postura reflexiva e analítica dimensão social e ética que envolve os aspectos de diversidade étnico-racial e cultural, gêneros, classes sociais, escolhas sexuais, entre outros.
Muitas dessas competências e habilidades dificilmente podem ser alcançadas em um ensino totalmente a distância, com as ferramentas que existem atualmente, pois necessita do contato entre conjuntos de pessoas, dentro da universidade e fora dela, experiencias proporcionadas pelo convívio, pela visitação, e não somente em sala de aula ouvindo o professor. O aprendizado ocorre nos corredores, nos espaços de convívio, no horário de almoço, nos passeios e visitas, no compartilhamento de equipamentos e ferramentas, nos laboratórios, e em diversas outras modalidades de encontros.

Taxonomia de Bloom (Fonte: https://www.teachthought.com/critical-thinking/126-blooms-taxonomy-verbs-digital-learning/)
Taxonomia de Bloom (Fonte: https://www.teachthought.com/critical-thinking/126-blooms-taxonomy-verbs-digital-learning/)

O acesso a equipamentos que forneçam som e vídeo de qualidade, e as limitações das interfaces ainda não permitem uma imersão e uma comunicação de qualidade. O uso dos celulares smartphones aumentou muito a qualidade das comunicações, mas ainda nos limitamos a superfícies bidimensionais (tela plana), visualização limitada de todos os participantes em uma discussão em grupo, entre outros limitadores.Entre as habilidades e competências específicas da profissão do arquiteto, podemos citar a visão espacial, aptidão no uso de ferramentas de desenho técnico, artístico e computacionais, capacidade de planejamento e organização,  capacidade de abstração, senso estético, dentre outros.
A formação de um arquiteto necessita de um trabalho de desenvolvimento espacial, tridimensional, tátil, com uso de texturas, cores, formas que são limitadas pelas ferramentas computacionais disponíveis atualmente. Essas habilidades podem ser adquiridas com a confecção de protótipos, maquetes, desenhos, e outras técnicas de trabalho manual, amplamente utilizadas nos cursos de arquitetura.

O desenvolvimento de muitas competências, também dependem do uso de equipamentos, ferramentas, laboratórios, práticas construtivas, visitas guiadas, e estágios supervisionados. Algumas práticas que não podem ser substituídas por aulas em vídeo e textos didáticos.

O ensino a distância também depende de professores treinados para utilizar computadores e as plataformas EAD, e alunos com disciplina, organização e também com boa prática computacional. Não são todos os alunos e professores que tem facilidades com o uso das tecnologias necessárias, principalmente as ferramentas computacionais utilizadas na arquitetura.

Não se deve ignorar o exponencial uso da tecnologia. Há menos de 30 anos atrás os arquitetos ainda projetavam desenhando com grafite e nanquim, e afirmavam que o computador e o Cad iriam destruir com a arquitetura. Há menos de 6 anos atrás, muitos arquitetos afirmavam que o sistema BIM era mais uma moda passageira, e que o CAD não seria substituído.

Sendo, assim, pelos argumentos expostos, minha opinião é de  que nenhum curso de graduação possa ser totalmente a distância, e principalmente os cursos com alta carga prática como é a Arquitetura e Urbanismo . Também acredito que toda informação, de cada disciplina, pode e deve estar disponível eletronicamente, onde o aluno pode consultar quantas vezes achar necessário, em plataformas online da universidade ou referencias determinadas pelos professores.

Se possível, os cursos não devem ter nenhuma disciplina totalmente a distância, optando por disciplinas hibridas, onde as informações teóricas podem ser estudadas pelo aluno, quando e onde achar mais adequado, e depois o conteúdo é levado para a sala de aula para serem trabalhadas em conjunto com a turma e o professor. Também devem ser evitadas as aulas tradicionais onde o professor apenas transmite a informação, já que isso pode ser substituído por vídeos.

(Fonte: http://charlestonempowered.com/work-based-learning/stjohnsacepartnership/ )

Cada curso tem suas especificidades, alguns cursos mais práticos e outros mais teóricos, mas todos devem formar profissionais com o mínimo de habilidades e competências que necessitam de atividades, que no momento, não são possíveis de serem totalmente realizadas através de computadores, tablets e celulares. Cada curso deve equalizar quais conteúdos, de cada disciplina, podem ser ministrados à distância, o que vai depender das ferramentas, infraestrutura, e software que a instituição e os alunos possuírem em determinado momento.

No futuro, com o a redução do custo, e a melhoria das tecnologias, as ferramentas de realidade virtual, de realidade aumentada, realidade imersiva, óculos 3D, internet de alta velocidade por fibra ótica gratuita, computadores com processamento superior, telas de grandes formatos, hologramas, etc. poderão estar mais próximo da realidade dos alunos e das universidades brasileiras. Com isso, o percentual do curso ministrado a distância poderá crescer progressivamente.