Desafios da Arquitetura e do Urbanismo diante da Pandemia Mundial de CoronaVirus

Praça de Espanha em Roma ficou vazia após decreto de quarentena total na Itália
Praça de Espanha em Roma ficou vazia após decreto de quarentena total na Itália (Massimo Pinca / Reuters – 10.3.2020)

Em dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, na China. Tratava-se de um novo tipo de Coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos. Uma semana depois, as autoridades chinesas confirmaram que haviam identificado um novo tipo de Coronavírus, que rapidamente se espalhou por todo o mundo, contaminando milhões e matando milhares de pessoas.

À medida que são controlados gradualmente os piores efeitos da pandemia do Covid-19, os países do mundo todo começam a considerar seus próximos passos após longos períodos de medidas de distanciamento social e bloqueios. A maioria dos países recomenda que as pessoas mantenham uma distância entre 1,5 e 2,0 metros uma da outra, com receios de uma segunda onda da pandemia. Com muita pesquisa a ser feita ainda para desenvolver uma possível vacina, é provável que esse seja um padrão que permaneça por meses, e possivelmente por alguns anos.

O ambiente construído é baseado na escala do corpo humano, e, portanto, todos nós nos tornamos 1,5 metros maiores. Esse novo padrão altera o impacto de um corpo individual e cria um efeito cascata de mudança em todas as escalas. Inspirado no vídeo seminal de 1977 “Powers of Ten” de Charles e Ray Eames, o “Capacity 1.5” do escritório de arquitetura holandês MVRDV analisará esse efeito cascata em várias escalas, da escala do indivíduo à escala de todo o planeta. Excursões em capacidade, reexaminando efetivamente as capacidades de nossos edifícios, cidades e mundo sob essas novas condições.

https://www.youtube.com/watch?v=xqPaYwJVJn4&feature=youtu.be

A série de vídeos não visa fornecer respostas aos desafios espaciais que a sociedade humana enfrentará após a pandemia de Corona vírus, mas desenvolver uma maneira sistemática de fazer as perguntas certas, considerando objetivamente a incompatibilidade das diretrizes de distanciamento e de nossos espaços existentes. Como andaremos pelas calçadas estreitas sem nos aproximarmos muito? As cidades devem estar abertas 24 horas para evitar multidões durante o dia? Como as opções de transporte coletivo, como aviões, trens e ônibus, se adaptam? Como podemos evitar um renascimento da cidade automobilística?

“O novo normal exigirá mudanças significativas em nossos hábitos e em nosso ambiente físico, mas a maioria das pessoas ainda não começou a processar o tamanho dessas mudanças”, diz Sanne van der Burgh, Associada Sênior do MVRDV.

Para minimizar a propagação do vírus, a situação de quarentena recomenda que as pessoas permaneçam dentro de casa vinte e quatro horas. Esta situação põe em questionamento a qualidade que se tem dispendido nos espaços internos. Principalmente nos grandes centros urbanos, onde cada vez se vive mais em espaços menores e sem qualidade. As poucas pessoas que tem o privilégio de habitar em casas ou apartamentos de qualidade, tem maior facilidade de se manter em confinamento, além da facilidade de estabelecer uma estrutura para trabalhar.

https://www.jornalcruzeiro.com.br/sorocaba/isolamento-social-muda-rotina-das-familias-por-conta-do-coronavirus/

https://www.bbc.com/portuguese/geral-51800944

A especulação imobiliária, o alto preço dos novos imóveis e dos terrenos nos centros urbanos, em conjunto com o avanço tecnológico de equipamentos, mobiliários residenciais e materiais de construção, tem colaborado na diminuição do tamanho das habitações. O cotidiano de vida ,da maioria das famílias, que habitam as grandes cidades, é de trabalho, estudo e lazer fora de casa, diminuindo os esforços destinados a melhorar a qualidade de sua própria residência.

https://marcabrasilconstrutora.com.br/apartamentos-menores-uma-tendencia-global/
https://www.bbc.com/portuguese/geral-48865896
https://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/apartamentos-compactos-sao-quase-metade-dos-lancamentos-de-sp-entenda-a-tendencia.ghtml

A permanência prolongada nas residências está promovendo uma adaptação do modo de vida, e com isso mudanças na organização das habitações. Dentro deste aspecto, podemos levar em consideração a escolha adequada de mobiliário, iluminação natural, conforto térmico e acústico, uso de materiais, cores e revestimentos que promovam sensações agradáveis, instalações de equipamentos e eletrodomésticos, espaços para animais domésticos e plantas, dentre outros.

Além de melhorar os espaços internos para permitir maior permanência nas habitações, há também questões de saúde e higiene que devem ser levantadas. As casas e apartamentos possuem ventilação natural adequada ? A organização dos cômodos e a escolha dos materiais construtivos permite higienização das pessoas, alimentos, animais e cargas que entram e saem diariamente das habitações ? Pessoas doentes dentro de casa possuem estrutura para se manterem isoladas do restante da família ? A residência possui movimentação e armazenagem de lixo adequada ? A situação é mais crítica quando incluímos as construções irregulares e as favelas, onde nem as condições mínimas impostas pela legislação urbanística são atendidas.

As áreas comuns dos condomínios e edificações multifamiliares também podem ser analisadas diante da nova realidade. O aumento das compras online exige que sejam projetadas áreas maiores de recebimento e armazenagem de cargas. A portaria, as circulações, escadas e elevadores, são áreas confinadas, normalmente estreitas, onde há o acúmulo de pessoas. As áreas para coleta e a separação do lixo são em alguns casos insuficientes  e mal ventiladas. Em muitos casos há também a mistura de fluxos de pedestres e veículos, facilitando a entrada de patógenos nas edificações.

Os desafios nas edificações residenciais já são grandes, porém maiores ainda são os problemas a serem resolvidos nos espaços de acúmulo de público. Teatros, cinemas, casas de shows, restaurantes, supermercados e shopping centers, além de aglomerarem grande quantidade de pessoas, são na sua maioria, espaços fechados, sem ventilação natural. Mesmo em espaços abertos, como os estádios esportivos, as praias, praças e parques, as pessoas estão sempre muito próximas umas das outras. No ambiente educacional temos problemas similares, pois mesmo com salas de aula ventiladas, a distância entre os alunos facilita muito a propagação de doenças.

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2020/04/14/reabertura-de-escolas-a-partir-de-11-de-maio-anunciada-por-macron-gera-polemica-na-franca.htm

https://www.publico.pt/2020/04/13/sociedade/noticia/aulas-estao-volta-nao-vao-dantes-eis-precisa-saber-1912145

https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/consumo-online-brasil-cresceu-marco/

https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/04/25/coronavirus-ministerio-publico-do-df-recomenda-horarios-diferenciados-e-reducao-de-alunos-por-turma-na-volta-as-aulas.ghtml

A situação atual acelerou muito o uso da tecnologia no ensino e no trabalho, bem como aumentou exponencialmente o consumo online. No momento, as pessoas estão contendo seus gastos, com receio de uma recessão econômica, porém as grandes empresas varejistas estão fechando lojas e investindo em tecnologia digital, galpões de logística, e sistemas de transporte de cargas.

https://www.ecommercebrasil.com.br/noticias/consumo-online-brasil-cresceu-marco/

Analisando os espaços das ruas e calçadas, podemos encontrar diferentes configurações, que influenciam na proximidade entre as pessoas e na qualidade do ar, e consequentemente na propagação de doenças. O piso das calçadas é intensamente contaminado por patógenos, facilmente transportados pelos calçados dos pedestres. Em contrapartida, a presença da ventilação natural pode impedir que vírus e bactéria alcancem as vias respiratórias e os olhos. Nas ruas, os carros particulares podem se isolar e se proteger do ambiente externo. Calçadas mais largas, áreas externas mais ventiladas, e uso de materiais construtivos que facilitem a limpeza e manutenção são algumas das práticas que podem diminuir a incidência de doenças.

https://www.tecmundo.com.br/ciencia/150186-video-china-desinfecta-wuhan-inteira-agua-sanitaria.htm

https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-03/niteroi-usa-produto-da-china-para-desinfeccao-de-ruas-da-cidade

https://www.folhadelondrina.com.br/folha-rural/meio-ambiente-responsavel—acido-em-calcadas-e-crime-ambiental-799695.html

https://oglobo.globo.com/sociedade/uso-de-sapatos-dentro-de-casa-debatido-por-especialistas-21043572

No transporte coletivo talvez esteja o mais complexo problema a ser equacionado. Apesar da concepção dos meios de transporte não ser diretamente um trabalho dos arquitetos e urbanistas, o seu uso impacta na organização das cidades, e na construção dos aeroportos, rodoviárias, estacionamentos, estações de trem, metrô, etc. Além do acúmulo de pessoas dentro dos veículos, há também a movimentação e acúmulo de pessoas nas edificações que dão suporte ao transporte coletivo. Também estamos suscetíveis a uma nova migração das pessoas, do transporte coletivo para o transporte particular, para evitar o contato físico, podendo causar tanto a falência do transporte coletivo, quanto um aumento nos congestionamentos. Não seria o aumento do trabalho e educação a distância, e as compras online, uma solução para diminuir a necessidade de locomoção?

https://jornaldebrasilia.com.br/brasil/coronavirus-ameaca-o-transporte-publico-urbano-no-brasil-entrar-em-colapso/

https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/03/reducao-de-transporte-publico-em-sp-por-causa-de-coronavirus-gera-aglomeracao-e-assusta-passageiros.shtml

https://www.institutodeengenharia.org.br/site/2020/04/07/o-impacto-do-coronavirus-no-transporte-coletivo/

Há muito tempo os diversos aspectos dos espaços públicos são discutidos, e não há dúvida da sua importância na qualidade de vida das pessoas. Podemos também identificar alguns problemas decorrentes das diversidades encontradas nestes espaços. Talvez, por este motivo, ainda há uma grande resistência por grande parte da população de entender todos os seus aspectos benéficos, que se justifica ainda mais no presente momento. A quarentena, volta o olhar das pessoas para a importância da qualidade de suas moradias, e priva o seu contato com os espaços públicos. Este confinamento vem mostrando como é psicologicamente danoso o isolamento e de como somos dependentes dos contatos sociais. Ao mesmo tempo se fortalece a “cultura do afastamento”, onde se manter longe das ruas e das pessoas é mais seguro.

https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/13341.pdf

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0020-38742014000100006

https://www.thecityfixbrasil.org/2016/06/08/nossa-cidade-a-importancia-da-participacao-social-no-desenvolvimento-das-cidades/

https://www.archdaily.com.br/br/01-162164/o-espaco-publico-esse-protagonista-da-cidade

https://www.pracas.co/blog/5-beneficios-importantes-que-as-pracas-oferecem

http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/gt/20100930071528/11egler.pdf

https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/12402/1/Espa%C3%A7oP%C3%BAblicoSociabilidade_Cerqueira_2013.pdf

Diante dos diversos aspectos apresentados, seria um mundo ideal, aquele onde só seria necessário sair de nossas casas quando extremamente necessário ?

Seriam as compras online, o trabalho e a educação a distância, a internet e a televisão, soluções para minimizar o impacto de possíveis doenças no mundo ?

Seriam as habitações os espaços que merecem maior atenção e investimentos, permitindo que a qualidade de vida seja a melhor possível, permitindo o isolamento quando necessário ?

Transporte coletivo ou transporte individual, como equacionar esta relação diante de um afastamento necessário entre as pessoas ?

Muitas são as questões que merecem ser revistas diante da situação atual.