
Arranha-céus de Uso Misto
Texto Adaptado da revista a+t 31 de Martin Musiatowicz
http://www.aplust.net/pdf_revistas/VGubEgOH_a+t%2031.pdf
O vigor da arquitetura híbrida e a arte do “mixing”
Um grande número de projetos sendo construídos, especialmente pelo mercado imobiliário especulativo, requerem múltiplas funções a serem alojadas em conjunto. A concentração de várias atividades em uma estrutura, como descrito por Steven Holl, coloca pressões sobre a arquitetura e tem uma capacidade de “… dilatar e deformar um edifício de uma única função” (1).
O atual boom na alta densidade dos edifícios tem sido alimentada em parte pela explosão econômica, pelos valores astronômicos dos terrenos, e pelo aumento das zonas econômicas emergentes, em particular a China, ao longo dos últimos vinte anos. A tendência crescente entre os arquitetos em lidar com este problema tem resultado no ressurgimento do edifício híbrido, principalmente na solução denominada “soma de todas as partes”, a concentração e a hibridação é cada vez mais entendida como uma forma de dar vida à construção, a seus usos individuais, e ao seu tecido urbano envolvente.

A História dos Prédios Híbridos
A idéia dos prédios híbridos de usos mistos não é nova. Ao longo da história, a densidade, o valor dos terrenos e da sobreposição de funções foram intrinsecamente ligados. Na antiguidade, as cidades-estados desenvolviam fronteiras e muros, a fim de defender e separar os civilizados dos selvagens (2). As principais formas de circulação e transporte de mercadorias por grande parte da população na época teria sido a pé. Assim, programas como o local de trabalho, comércio e habitação foram localizados, ou no mesmo espaço ou empilhados em cima uns dos outros e, em muitos casos, havia pouca ou nenhuma distinção entre salas ou funções. Com a disputa pelos espaços, a cidade confinada significava que qualquer expansão ou construção necessitava de fusões e sobreposições, e conseqüentemente, alta densidade. As funções, ao invés de serem localizadas em regiões isoladas da cidade, preenchiam qualquer espaço vazio disponível, e uma vez que as cidades cresceram, se formaram uma única entidade híbrida constantemente mudando e evoluindo.
Com o aumento da mobilidade e do longo alcance dos sistemas de defesa a cidade rompeu seus limites, se dispersando, e a partir deste ponto, a metrópole moderna evoluiu, expandindo-se em estruturas individualizadas por toda a paisagem (3). A expansão que se desenvolveu abriu o acesso a uma nova divisão de terras, permitindo maiores e mais acessíveis propriedades fundiárias. As terras mais baratas não só removeram a pressão para que os programas compartilhassem o espaço e maximizassem a utilização das terras, mas também apresentou uma estratégia de delimitação e controle de grandes áreas. A dispersão de assentamentos e postos militares avançados foi um método dos Estados expandirem suas extensões de terra constantemente através da ocupação, um bom exemplo é o Império Romano. Mais tarde, a revolução da mobilidade trazida pela Era Industrial facilitou o advento da moderna teoria social de planejamento, promovendo a segregação das funções de vida, trabalho, compras e fabricação – não só em edifícios individuais, mas também em zonas exclusivas nas cidades.
A forma da cidade passou a ser definida por um planejamento funcional que ordenasse o controle de doenças, a poluição e principalmente o valor das terras.
Até o lançamento do catálogo de Joseph Fenton, em 1985, os edifícios híbridos tinham sido ignorados como um tipo único de edifício, geralmente agrupados em “mixed-use”. Fenton argumentou que havia uma nítida diferença entre as construções híbridas e de utilização mista, onde os programas individuais se relacionam e começam a compartilhar seus usos.
O conceito de hibridização veio da genética e refere-se à reprodução cruzada de espécies diferentes. Enquanto no passado, os usos foram muitas vezes combinados em uma única estrutura, por exemplo, a loja-casa ou a ponte habitada, como a Ponte Vecchio, o edifício híbrido em grande escala não aparece até o século XIX (4). A escalada dos valores dos terrenos nos centros das cidades exigiram novas formas de desenvolvimento. Estruturas de aço e a invenção do elevador, em meados do século, revolucionaram a construção e permitiu que as estruturas se verticalizassem assinalando a ascensão do arranha-céu. Com essas ferramentas, os arquitetos e construtores transferiram sua abordagem para a necessidade de construções especulativas com o máximo de volume e área útil para tornar mais valioso os bens imobiliários. Sua incapacidade para preencher as novas torres com uma única utilização levou a uma combinação de programas e através deste o surgimento dos edifícios híbridos(5).
O catálogo de Fenton apresenta uma seleção de exemplos americanos (e ele defende que eles têm evoluído fora das condições da metrópole americana) agrupando-as em:
Híbridos adaptados a volumetria imposta pela malha urbana da cidade;
Híbridos Enxertados que expressam cada programa como um volume distinto dentro da forma resultante do edifício;
Híbridos Monolíticos, onde os elementos programáticos são incluídos em um envelope contínuo (6).
Os edifícios híbridos se diferenciam de outros tipos de mega construções por se ajustarem a malha urbana e estarem contidos dentro de um único edifício.
Não podemos entretanto desprezar a influência dos códigos urbanísticos nesta evolução. A criação das normas de zoneamento de Nova York em 1916 limitaram a mistura de ‘usos funcionalmente incompatíveis’ em edifícios e em certas partes da cidade, designando bairros estritamente residenciais, retardando a evolução dos edifícios híbridos (7). Versões desta política foram adaptadas e estão ainda em uso em muitas cidades de todo o mundo,como as cidades brasileiras .
Atualmente, o aumento do valor dos terrenos, unida a um abandono de ideais de segregação urbana, assim como os avanços nas tecnologias ambientais, promoveram alterações nas leis, e agora promovem a mistura de funções, em uma tentativa de dinamizar a cidade.

O Retorno do Híbrido
A nova ordem profetizada pelo modernismo na realidade não foi capaz de, na prática, lidar com a complexidade da vida real. As críticas do pós-modernismo à esta situação trouxeram um ressurgimento do interesse pela experimentação de novos programas e pelo desafio aos modelos tipológicos predominantes.
Mais importante ainda, o pensamento pós-estruturalista criou uma situação que permitia os conceitos dialéticos, e neste caso, as funções passam a co-existir e a se interligarem.
Vários escritores e arquitetos têm se ocupado nas últimas três décadas a explorar as implicações do programa na forma arquitetônica.
Rem Koolhaas, em especial, identificou as condições únicas dos Arranha-céus de Manhattan em seu livro “Nova York Delirante” (1978). Diferentemente do relato zoológico dos híbridos de Fenton, Koolhaas identificou uma qualidade genérica do arranha-céu, que permite uma quase infinita combinação de programas co-existirem em pisos separado (8).
O Downtown Athletic Club, que também aparece no catálogo de Fenton de edifícios híbridos, fascina Koolhaas, por sua “serenidade” e forma monolítica exterior escondendo o melhor do “congestionamento urbano” e é como “… um condensador social construtivista: uma máquina de gerar e intensificar as formas de relações humanas (9).”
Se olharmos para quase qualquer cidade do mundo de hoje, existe um constante fluxo na programação do tecido genérico da cidade, que permite estas justaposições e cujo desenho é quase impossível de controlar.
Estas primeiras observações têm repetidamente aparecido no trabalho de Koolhaas e seu escritório, o Office for Metropolitan Architecture (OMA). Nos experimentos como o Hyperbuilding (1996), que foi concebida como uma nova cidade dentro de um edifício ou mais recentemente em outros projetos de torres especulativas como em New Jersey. E embora tenha previamente defendido as grandes construções como “o melhor” da arquitetura, por si só a escala não é o pré-requisito para a concentração, e a crítica do OMA às tipologias usuais e a indeterminação dos programas foram introduzidas em seus edifícios menores e até em parques como foi o caso em seus projetos para a competição Parc de la Villette, em Paris e também para o Downsview Park em Toronto.
Nos últimos anos o interesse em técnicas híbridas voltam a surgir, em grande parte facilitadas por uma série de fatores econômicos e políticos. Em primeiro lugar, o boom imobiliário global impulsionado pelo crescimento econômico da China e do Médio Oriente criou um clima em que desenvolvedores estão cada vez mais interessados em maximizar as áreas construídas, buscando o melhor aproveitamento dos terrenos combinando múltiplos programas. No entanto, ao contrário de períodos anteriores, como na década de 1980 e no “dot com boom”, o ambiente é menos receptivo à especulação por ter aprendido as lições dos quilômetros quadrados de espaço para escritórios vazios que apareceram na recessão que se seguiu (10).
Atualmente, os inquilinos são procurados nas fases iniciais do processo de design (o chamado “venda na planta”), permitindo a captação de dinheiro antes da construção, permitindo que os grandes clientes possam estar envolvidos no processo de concepção, ao invés de simplesmente alugando contêineres vazios que deve adaptar-se mais tarde. Esta necessidade de criar espaços específicos está levando os arquitetos a resolver o programa ao invés de projetar o máximo de flexibilidade possível como antes.
Há também os desenvolvedores cada vez mais interessado no “estilo de vida”, eles entendem que a complexidade é inerente à cidade e à mistura de usos diferentes devem ser utilizados para estimular o que de outro modo seria apenas uma colagem de usos diversos.
Juntamente com isso, foram adicionadas recentemente as políticas destinadas a construção de novos bairros ou regenerar bairros existentes que exigem que os desenvolvedores incluam o uso misto e os programas públicos. Nesse sentido, o geógrafo Jane Jacobs enfatiza o papel central da diferenciação e da diversidade em tornar as cidades “que parecem cidades” (11), de modo que a heterogeneidade e os congestionamentos, que também fascinam Koolhaas, sejam usados na promoção de empreendimentos habitacionais novos, destacando a diversidade de experiências, práticas e pessoas. E, embora, infelizmente, estas imagens muitas vezes sejam apenas anúncios de panfletos e propagandas, os arquitetos têm a capacidade de defender idéias de usos mais distintos e de novas combinações de programas.
Juntamente com o desenvolvimento especulativo, os preços dos terrenos e dos custos de construção obrigaram muitas instituições cívicas, também afetadas por cortes de gastos que muitos governos estão sofrendo, a buscar novas formas de financiamento (12). Isto conduz normalmente a combinar usos tradicionais, como um museu ou biblioteca, com espaço comercial.
Às vezes basta simplesmente inserir alguma espaço para atividades de vendas ou eventos acompanhando o programa principal para aumentar os lucros. Em outros casos mais extremos pode chegar ao combinar o museu, com lojas, habitações e escritórios para obter um rendimento máximo, ou simplesmente tornar o projeto viável. Neste sentido, o Seattle Art Museum projetado pela Allied Works é um bom exemplo: ele combina o museu com a sede de um banco, que financiou a operação através da construção de espaço flexível que pode acomodar outras utilizações no futuro. Um caso semelhante é o projeto Scala Tower, em Copenhague, do escritório BIG, que combina uma nova biblioteca pública com hotéis, lojas e escritórios.
Estes exemplos onde algumas aplicações beneficiam outras, para além das implicações espaciais da mistura de programas, estabelecem uma estreita relação entre cultura e comércio, indo para o plano financeiro. Essas grandes combinações de escala têm outra peculiaridade: cada programa é obrigado a ceder uma parcela de sua individualidade.
Como resultado, instalações públicas alojando até agora icônicos edifícios e monumentos ao redor da cidade começam a formar parte do tecido da cidade. Ao adicionar uma loja ou um café em um museu, ele não perde o seu caráter como um ícone, adicionando um edifício de 60 andares para uso com salas comerciais, hotéis e escritórios, o museu passa a fazer parte de um grande edifício icônico.
Muitos dos edifícios recentes ou propostas que prevêem a hibridação de usos ou qualquer tipo de “química” poderia ser ajustado para as categorias descritas por Fenton em seu catálogo. No entanto, esta classificação se deve mais à sua formalização final de estratégias de design. Por este motivo, deve-se classificar os híbridos com base em uma série de tendências que poderiam ser utilizadas como estratégia para lidar com a diversidade e densidade.
